POLYCHROMIES
POLYCHROMIES
5 Abril 2022 | 18h30
Lisboa Incomum
Temporada Portugal França 2022
POLYCHROMIES é um projeto de divulgação da música erudita contemporânea portuguesa e francesa, bem como de formação especializada na interpretação desta prática musical.
As entidades que participam neste projeto são instituições do ensino superior especializado de música em França e Portugal (ESM Bourgogne-Franche-Comté, Escola de Artes da Universidade de Évora e Escola Superior de Música de Lisboa), em colaboração com o Festival DME.
Este projeto pressupõe a realização de um festival dedicado à música contemporânea portuguesa e francesa, a realizar no dia 5 de Abril de 2022, simultaneamente nas cidades de Lisboa (no Espaço Lisboa Incomum, transmitido em streaming) e Dijon (nas instalações da ESM Bourgogne-Franche-Comté).
Em Dijon, serão interpretadas obras dos compositores portugueses (ou residentes em Portugal) Carlos Marecos, Christopher Bochmann, Jaime Reis e João Pedro Oliveira pelos alunos de música de câmara da ESM Bourgogne-Franche-Comté, que trabalharam as obras ao longo de vários meses sob a orientação dos professores Marie Béreau e Vincent-Raphaël Carinola.
Em Portugal, escutaremos quatro obras de Vincent-Raphaël Carinola, uma delas em estreia absoluta, e ainda de Carlos Marecos, Christopher Bochmann, Jaime Reis. As obras serão interpretadas por Ana Telles (piano) e Monika Streitová (flauta). Assim, este projecto procura não só reforçar a colaboração entre as instituições em questão, mas também divulgar a música contemporânea portuguesa e francesa com uma especial atenção à formação especializada de jovens intérpretes.
Os concertos inserem-se na Temporada Portugal França 2022.
Mais informações em: https://temporadaportugalfranca.pt/evenement/polychromies/
Entrada gratuita mediante reserva para [email protected]. Uso de máscara obrigatório.
Link para streaming: https://youtu.be/YxxOXA1HaXo
Programa completo (Lisboa):
Vincent Carinola (1965): Cinq études pour une Odyssée, obra acusmática
Encomenda da Radio France.
Cinq Études pour une Odyssée foi composta entre fevereiro e abril de 2018 para o programa Création Mondiale de Anne Montaron na France Musique. A mistura final para seis canais, assim como a versão 5.1, foi realizada no GRM (Groupe de Recherches Musicales) e transmitida pela primeira vez na France Musique, entre 28 de maio e 2 de junho do mesmo ano, numa versão binaural. O formato da obra corresponde ao da transmissão: cinco andamentos de dois minutos cada um.
Cada andamento é uma evocação ao épico de Homero:
1) L’Aède cita algumas frases da Odisseia (lida em grego por Serge Desautels), aparentemente de um tempo ancestral, acompanhada por uma lira imaginária, onde cada corda é proveniente de um instrumento diferente: o piano, a harpa, a guitarra e a cítara.
2) Em Penélope, Ulysses recorda a sua amada, cuja música, rodeada por uma fábrica de sons electrónicos, evoca o primeiro acto de Il ritorno d'Ulisse in Patria ("Di misera regina") de Monteverdi. . Com a voz de Marion Thomas.
3) Nekuia significa “invocação dos mortos”, um exemplo disso é contado no Canto XI da Odisseia: Ulysses e os seus companheiros cavam um buraco onde as sombras dos mortos emergem do sangue dos carneiros oferecidos como sacrifício, incluindo o de Tiresias, que vai revelar a Ulysses a continuação da sua jornada, avisando-o dos perigos que vai enfrentar.
4) Em Les troupeaux d'Hélios, procurei imaginar qual seria o som dos sinos das vacas do Deus do Sol. A percussão de Claudio Bettinelli sugere uma resposta provável a esta pergunta.
5) O Mediterrâneo é, sem dúvida, uma personagem central na Odisseia. Em Mare Nostrum as ondas são decompostas até que a infinidade de gotas e ondulações que as constituem possam ser ouvidas, tornando sensíveis as pequenas percepções descritas por Leibniz com grande poesia na introdução de New Essays on Human Understanding. À distância, as sereias parecem chorar ao ver o cemitério que o seu mar se tornou para aqueles que tentam atravessá-lo hoje em dia. Com voz de Monica Jordan.
Os cinco estudos foram utilizados como material preparatório para a música do espetáculo L’affaire Odyssée, criado pelo Odyssée ensemble et cie. em 2020.
Jaime Reis (Electrónica)
Vincent Carinola (1965): Description d'un combat, para flauta e dispositivo electrónico*
Estreia absoluta: Festival Musiques en Scène 1996, Lyon, Salle Molière.
*Estreia da versão para flauta e Sampo elaborada por Alexander Mihalic
A obra é composta por seis andamentos:
1. Ouverture (electrónica)
2. Recitativo I (flauta em Dó)
3. Duetto (flauta em Dó e electrónica)
4. Arioso notturno (flauta em Sol e electrónica)
5. Recitativo II (flauta em Sol)
6. Finale (flauta em Dó e electrónica)
A confrontação de dois espaços que caracterizam a música mista — o palco ocupado pelo músico e os altifalantes à volta do público— evoca para mim um tipo de drama perto da ópera. O “cantar” do instrumentista, sozinho no palco, é envolvido pelo som do ambiente vindo de uma orquestra imaginária e invisível. Os títulos dos andamentos da peça traem esta inspiração lírica. A totalidade da obra forma um monodrama e um tributo à literatura de Kafka. Description d’un combat foi composta no Conservatório Nacional Superior de Música de Lyon em colaboração com Cédric Jullion.
O dispositivo Sampo foi criado em 2014, pelo compositor e investigador Alexander Mihalic (Centro de investigação “Musinfo”, Saint Étienne, França), pensado especialmente para facilitar a interpretação das peças, sem necessidade de intervenção de um assistente técnico. Possibilita mudar os parâmetros dos efeitos, parar e arrancar a eletrónica sobre suporte e em tempo real, utilizando os pedais (até 7 pedais por dispositivo) proporcionando ao intérprete um maior envolvimento no processo de execução das obras que empregam meios eletroacústicos.
Monika Streitová (Flauta e Sampo)
Vincent Carinola (1965): Cabries, para piano solo*
* Estreia absoluta
Uma linha melódica avança, hesitante, gira sobre si mesma, sem saber onde parar. Concretiza-se em lugares e temporalidades singulares, aqui em Cabriès, no Sul de França, na casa do compositor e pianista Henry Fourès, durante o mês de dezembro de 2021, a primeira etapa para um fluxo nómada que continua a sua jornada, hesitante, girando sobre si mesmo, sem saber onde parar, dando origem a outras obras, noutros lugares, in situ.
A obra foi escrita para Ana Telles. É amigavelmente dedicada a ela.
Ana Telles (Piano)
Jaime Reis (1983): Fluxus, Dimensionless sound (B), para flauta e electrónica
No campo da análise dimensional, uma quantidade sem dimensão é aquela que não possui uma dimensão física associada. Para esta peça, foram criados processos musicais com o propósito de obter camadas com qualidades sonoras distintas, onde as características da voz, flauta e electrónica são combinadas, resultando em diferentes qualidades de percepção sonora. O objectivo não foi criar uma mera perspectiva conceptual, um som sem dimensão, mas antes um tecido musical cujas dimensões sensíveis seriam quase permanentemente ilusórias.
Apesar desta peça sondar os intrincados limites da polifonia vocal e da flauta, resultando numa obra extremamente desafiante para os intérpretes, é também uma das mais regularmente interpretadas da minha produção.
Monika Streitová (Flauta)
Jaime Reis (Electrónica)
Carlos Marecos (1963): A Casa do Cravo, para piano e electrónica
Encomenda: Festival DME · Projecto “A Paisagem Sonora em que Vivemos”
Esta é uma peça que se inspira na paisagem alentejana, no vazio, no silêncio, nos sinos que interrompem o silêncio. Por outro lado, surgem as memórias do 25 de Abril de 1974. No entanto, esta não é uma peça sobre o "verão quente", mas sim sobre as terras e as paisagens alentejanas, uma região que viveu intensamente esse período. Algumas dessas memórias estão presentes na parte central da peça, onde é parafraseada no piano a "Grândola Vila Morena" do Zeca Afonso e citadas na electrónica excertos de canções do Sérgio Godinho, José Mário Branco, dos GAC e novamente do Zeca Afonso. No final, essas memórias diluem-se na paisagem sonora alentejana.
Na parte electrónica da peça foram incluídas gravações de rádio de 1974-75, feitas por mim em fita, entre os meus 10 e 11 anos, entretanto recuperadas. Em inúmeros acontecimentos que se viviam nas ruas no "verão quente" de 75, a minha família estava na rua e quando não era aconselhado eu ir, dada a minha idade, ficava em casa a gravar as reportagens em directo que se faziam desses acontecimentos na rádio.
A peça remete ainda, de forma subtil, para um episódio em 1979, onde na mesma terra da casa do cravo, dois habitantes foram mortos num conflito na altura da restituição de terras no Alentejo, no final do período da reforma agrária.
Desde essa altura muitas utopias se esfumaram, mas ficou a memória de milhares de pessoas nas ruas, que puderam experienciar a liberdade a passar pelas suas vidas, de uma forma talvez exagerada e sôfrega, mas genuína; tudo era muito urgente… Como diz o Sérgio Godinho numa das suas canções: “Esperar tantos anos torna tudo mais urgente”
É, assim, na alegria e na melancolia de revisitar esse período, que esta peça se inspira.
Como disse também uma vez o José Mário Branco: “Valeu a pena tanta luta? Sim, Valeu…”
Ana Telles (Piano)
Carlos Marecos (Electrónica)
Interpretação:
Monika Streitova, flauta
Ana Telles, piano
Luis Gomes, Ana Telles Foto: João de Bettencourt Bacelar |